O músico Marcos André Carvalho, de família umbandista e praticante do candomblé, idealizou e promove hoje (2), no Rio de Janeiro, o Dia de Iemanjá no Arpoador à semelhança da festa realizada em Salvador (BA) há 100 anos em homenagem à orixá, ou divindade, africana feminina. Iemanjá é considerada a mãe dos orixás e denominada Rainha do Mar.
Com realização do Instituto Floresta e da Rede de Patrimônio Imaterial do Estado do Rio de Janeiro, com patrocínio da prefeitura carioca, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, moradores da capital fluminense e turistas ganham assim um Dia de Iemanjá no Arpoador, na praia de Ipanema, zona sul da cidade.
A festa será totalmente gratuita e reunirá dez grandes grupos, totalizando cerca de 140 líderes religiosos e artistas, além de filhos de santo e representantes de outras religiões, como a católica e a judaica. O ritual começa às 15h. O cortejo se concentrará no calçadão da praia de Ipanema, junto à estátua do maestro e compositor Tom Jobim, oferecendo ao público apresentações dos grupos Tambores de Olokun, Afoxé Filhas de Ghandy, Afoxé Oré Lailai e Ogan Kotoquinho.
Na Pedra
Às 17h, casas de umbanda e de candomblé de origens centenárias e artistas de grupos de afoxé, jongo, samba e maracatu seguirão com balaios contendo flores e frutas, presentes para Iemanjá, em direção à Pedra do Arpoador, onde serão feitas as oferendas. Em seguida, será aberta uma Roda de Tambor na areia da praia, com pontos de candomblé cantados pelo Mestre Ogan Bangbala, mais velho Ogan do Brasil e padrinho da comemoração, com 103 anos de idade, e pelo Pai Dário de Ossain, do Ilê Axé Onixegun e mestre de jongo do Morro da Serrinha. Caberá ao cantor de umbanda, Tião Casemiro, entoar pontos de umbanda acompanhado por sua orquestra de tambores.
O Jongo do Pinheiral, por sua vez, um dos mais antigos do país, vai representar na festa mais de 100 anos de história do Vale do Café, região de quilombolas e berço do jongo, considerado o pai do samba carioca. O Jongo de Pinheiral subirá ao palco ao lado dos jongueiros do Morro da Serrinha, de Madureira, da Companhia de Aruanda e de Marcos André. Para fechar a roda e a parte sagrada da festa, a Companhia de Aruanda e o grupo Samba Jongo convidarão o público para dançar samba de roda, coco, jongo e cirandas praieiras.
O apogeu da festa será uma roda de samba, com início previsto para as 20h, a ser realizada em um palco montado ao lado da Pedra do Arpoador, da qual participarão os sambistas Nina Rosa, Marcelinho Moreira, Hamilton Fofão, Carlinhos 7 Cordas, PH Mocidade, Nenê Brown, entre outros. Durante todo o evento, a Feira Crespa, integrada por afroempreendedores, oferecerá ao público, no calçadão do Arpoador, produtos de gastronomia e moda.
Visibilidade
Em entrevista à Agência Brasil, Marcos André Carvalho destacou que enquanto o marketing de turismo de Salvador é a baiana do acarajé, no Rio de Janeiro é a Garota de Ipanema. “Não é a origem do samba”, disse. “Tudo nasceu nos terreiros, como o samba; a bossa-nova nasceu do samba; a batida do funk nasceu dos tambores”.
O músico explicou que a umbanda e o candomblé são a matriz do samba, da bossa-nova e do funk carioca. “E a gente tem essa dívida, porque não pegou a nossa matriz africana carioca e deu visibilidade para ela, como Salvador fez como estratégia de marketing de turismo há décadas. Hoje, Salvador tem 500 mil turistas no dia 2 de fevereiro. Bate até o réveillon”, garantiu. Por isso, o Dia de Iemanjá no Arpoador “quer dar visibilidade aos terreiros de umbanda e candomblé e trazê-los para uma praia da zona sul, no coração do turismo, em Ipanema”.
Marcos André informou que as oferendas conterão somente flores biodegradáveis, não sendo admitidos plástico, vidro nem madeira. “Porque é uma homenagem à Rainha do Mar e a gente tem que manter a casa dela limpa. Os orixás são a força da natureza e a gente tem que preservar a natureza. Não faz sentido homenagear a orixá sujando o mar”.
Réveillon carioca
A Roda de Tambor na areia da praia será um momento muito simbólico para as religiões de matriz africana porque vai relembrar o que ocorria nos anos de 1940, quando os terreiros iam comemorar o Dia de Iemanjá nas praias. “Dali nasceu o réveillon carioca, todo mundo de branco, jogando flores no mar, pulando sete ondas. Pouca gente sabe que essa tradição nasceu da presença dos terreiros no Dia de Iemanjá, em 31 de dezembro. Depois, a espetacularização do réveillon acabou expulsando os que criaram a festa nas praias, que foram os terreiros”. Marcos André lamentou que, agora, não dá mais para voltar, devido à interdição das ruas na virada de 31 de dezembro para o dia 1º de janeiro, pelas autoridades municipais.
Daí, escolheu-se o dia 2 de fevereiro para retomar esse espaço sagrado das areias cariocas e, também resgatar um pouco esse mérito dos terreiros na história do réveillon carioca que, hoje, “é a maior festa do planeta, conhecida no mundo todo”. Carvalho comentou que após as oferendas, fazer as rodas de candomblé, umbanda e jongo naquelas areias, 80 anos depois, é “fazer justiça aos pretos velhos e às pretas velhas que inventaram o réveillon carioca. Eu fico muito emocionado com isso”. O músico ressaltou que 30 anos após a espetacularização do réveillon carioca, iniciada nos anos de 1990, os terreiros da Baixada Fluminense, da zona norte e do Vale do Café, “onde tudo começou” vão contar essa história e tomar posse novamente dessas areias.
União e equilíbrio
A inspiração para realização do Dia de Iemanjá no Arpoador veio para Marcos André durante a pandemia da covid-19. A proposta teve adesão total das mães e pais de santo. Marcos André salientou que, além da parte histórica e cultural, Iemanjá “é de todos; de quem é da religião e de quem não é. Ela é muito forte, muito querida. Ela une. E neste momento, a gente está precisando de união. Vamos nos dar as mãos na beira do mar, cantar e agradecer por ter sobrevivido a essa pandemia”.
Dona das cabeças, Iemanjá dá equilíbrio às pessoas. “A gente está pedindo isso para os cariocas e brasileiros: equilíbrio, temperança, respeito mútuo”. O músico reiterou que a orixá une a todos e dá equilíbrio “para a gente poder ser mais ponderado, menos radical”.
Economia
A celebração tem como parceiros a Riotur, Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Secretaria Municipal de Políticas da Mulher, Coordenadoria Executiva de Diversidade Religiosa, Subprefeitura da Zona Sul, Ilê Axé Onixegun, Companhia de Aruanda, Alalaô Kiosk e Hotel Arpoador.
Marcos André Carvalho destacou o potencial da festa para a geração de recursos para a cidade. Segundo informou, a festa de Iemanjá em Salvador, de acordo com estudo da Fundação Getulio Vargas, arrecada R$ 400 milhões para o município, em impostos. “Então, nós somos economia também. Nós temos potencial turístico e queremos envolver os hotéis”.
Mutirão
Ao final do evento, a equipe da produção promoverá, junto com o público, um mutirão de limpeza das praias “para que as pessoas entendam que areia e pedra são as moradas da sereia. Vamos limpar, deixar tudo limpo. Talvez essa seja a oferenda que ela (Iemanjá) mais vai gostar”, manifestou o músico.
No ano passado, no dia 2 de fevereiro, a celebração aconteceu nas areias da Praia do Flamengo, marcando a abertura do Festival Multiplicidade, de Batman Zavareze, mas cresceu e, este ano, o axé para Iemanjá ocupará as pedras do Arpoador, em Ipanema. Além de gerar impacto positivo na valorização das tradições cariocas de matrizes africanas e seus fazedores, o Dia de Iemanjá no Arpoador pode contribuir de modo favorável para as cadeias produtivas do turismo e da economia criativa do Rio de Janeiro.
Edição: Valéria Aguiar